Tarifaço foi 'menos ruim' que o esperado, mas escalada de tensões preocupa
A economista Solange Srour, do banco de investimentos suíço UBS Global Wealth Management, projeta que a sobretaxa norte-americana às exportações brasileiras, após a lista com mais de 700 exceções, terá um impacto inicial de 0,15% no PIB do Brasil

A aplicação da sobretaxa de 50% às exportações brasileiras, oficializada dois dias antes do previsto pelo governo Donald Trump, acabou causando alívio em setores da economia inclusos em uma lista com mais de 700 produtos isentados da taxação. Porém, as tensões geopolíticas com os Estados Unidos continuam - especialmente após a aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, vista como "muito séria" por especialistas, pois pode gerar impactos graduais e significativos na economia e na percepção dos investidores sobre a estabilidade jurídica do Brasil.
Essa avaliação do cenário e as perspectivas para a economia com os impactos do tarifaço de Trump foram apresentadas pelos economistas Solange Srour e Luciano Telo, do banco de investimentos suíço UBS Global Wealth Management, na palestra "Cenário Macroeconômico e Perspectivas de Investimentos em 2025", realizada na última quinta-feira, 31/07, durante reunião do Comitê de Avaliação de Conjuntura da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Sendo o Brasil um caso específico da maior imposição de tarifas pelos Estados Unidos, a medida trumpista veio com isenção de tarifas adicionais para 40% dos produtores brasileiros após intensas negociações, de acordo com o governo brasileiro, impulsionadas pela pressão de empresas brasileiras e americanas. Além de parte significativa das tarifas ter sido revertida, setores como os de café e carne ainda têm brecha para negociar - tornando o resultado "menos ruim" que o esperado, segundo Solange.
Nesse cenário, os economistas estimam, com o acordo parcial, que o impacto direto no PIB brasileiro será de 0,15 ponto percentual, e mesmo uma queda nos preços de café ou carne pode ser compensada pela pressão no câmbio.
Por outro lado, o movimento pode levar a riscos indiretos maiores, na expectativa de alguma escalada nas tensões entre os países, o que pode gerar efeito em cadeia, e deve afetar a economia, disse a economista. "Se o Brasil se posicionar de uma maneira que gere retaliação, vai afetar o investimento, o risco... A gente teve certo alívio, mas está muito longe de ser o fim da história."
Para atrair investimento produtivo de longo prazo, o Brasil vai precisar de juros reais mais baixos no futuro, sustentabilidade fiscal e estabilidade jurídica, explicou. Já a incerteza fiscal de longo prazo, e a ausência de uma queda consistente nos juros reais, estão segurando grandes investimentos, e a perspectiva é de compasso de espera para a economia real até 2026.
"Além da incerteza da questão geopolítica, não existe certeza sobre como o Brasil se posicionará daqui para frente, nem sobre como isso vai afetar a economia e também as eleições."
Pelo viés global, para Solange Srour o tarifaço é só um sintoma de uma reorganização geopolítica duradoura. “A nova política americana, ainda que personificada por Trump, tem apoio bipartidário e visa reduzir a dependência em relação à China em setores estratégicos como tecnologia, insumos e energia. Com tarifas médias saltando de 3% para 18%, os Estados Unidos assumem o custo inflacionário e desacelerador em nome de segurança nacional", destacou.
Hoje, alertou a economista, há a transição de um mundo acostumado com globalização e integração de cadeias produtivas para um mundo mais dividido, com Estados Unidos e aliados de um lado, e China, Rússia e até Coreia do Norte de outro. "Essa configuração é algo que veio para ficar."
Indicadores internos
Os economistas destacaram que o crescimento da economia brasileira tem sido impulsionado, em parte, por muito gasto fiscal nos últimos três anos, situação que piorou com a aprovação de medidas que quebram regras fiscais e aumentam gastos obrigatórios (precatórios, salário mínimo, benefícios sociais) - e também um fator de preocupação para sua trajetória futura.
Já o arcabouço fiscal atual será "insustentável" a partir de 2027, apontou Solange Srour, pois o gasto obrigatório deve crescer tanto que impossibilitará o funcionamento da máquina pública se as regras atuais forem mantidas. "O próximo governo, independentemente de qual seja, precisará mudar as regras de despesa obrigatória e o orçamento. Será um grande desafio."
Quanto aos financiadores da dívida brasileira, majoritariamente domésticos, não sustentarão o atual nível de juros reais (7,5%) sem perspectiva de mudança fiscal, podendo exigir juros ainda mais altos (entre 9% e 10%), levando a uma crise de financiamento, recessão ou inflação galopante, disse a economista.
"Nossa taxa tributária está na sua máxima histórica e não há como acomodar o crescimento real de gastos, nem tomar medidas como o IOF, aumentando ainda mais a carga tributária."
Srour e Luciano Telo também apontaram as perspectivas para os principais indicadores da economia no atual cenário - como o câmbio pressionado com o real sofrendo desvalorização, e o dólar superando os R$ 5,60, fazendo o Brasil sair de um cenário de “estrela emergente” para um país sob desconfiança, diante de incertezas políticas e fiscais.
"A perspectiva de câmbio mais alto eleva o custo de importações, alimenta a inflação e reduz o espaço para cortes de juros pelo Banco Central", alertou a economista.
Mesmo com algum alívio recente, a inflação esperada para 2024 gira em torno de 5%, bem acima da meta de 3%. Essa alta está relacionada não apenas ao câmbio, mas também ao ambiente global menos favorável. "Desde abril, as tarifas americanas têm pressionado preços internacionais, e estão limitando o efeito desinflacionário da desaceleração da China."
Com o câmbio instável e a inflação resistente, o Banco Central deve manter a Selic em nível elevado (atualmente em 15% ao ano) por um período prolongado. "A autoridade monetária só poderá iniciar cortes mais expressivos se houver melhora no quadro fiscal e cambial", alertou.
Já o PIB terá desaceleração gradual: mesmo resiliente até o primeiro semestre, com o consumo das famílias sustentando a atividade impulsionado pela taxa de desemprego historicamente baixa (5,8%, conforme divulgado na quinta-feira pelo IBGE) e pelo aumento da massa salarial real, a economia brasileira deve mostrar crescimento moderado. "A projeção é de crescer 2%, com viés de baixa se o ambiente externo se deteriorar, ou a incerteza interna aumentar."
Quanto aos investimentos de longo prazo, eles estão travados: enquanto os investidores de portfólio ainda veem atratividade no Brasil via juros elevados, os investimentos produtivos de longo prazo estão em compasso de espera. "A incerteza institucional, a instabilidade jurídica (a exemplo da sanção ao ministro Alexandre de Moraes) e a falta de clareza fiscal são obstáculos a um novo ciclo de crescimento baseado em investimento", sinalizou Luciano Telo.
IMAGEM: divulgação/UBS Global Wealth Management