Representante do Itamaraty diz que pequenos exportadores são os mais afetados pelo tarifaço
Em palestra na SP Chamber, da ACSP, o embaixador Laudemar Aguiar lembrou que esses negócios têm menor capacidade para diversificar mercado; governo federal prepara pacote de medidas para auxiliar pequenos empresários afetados pela sobretaxa

O tarifaço de Trump começou a valer efetivamente a partir de 1h01 desta quarta-feira, 6/8, atingindo 36% dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos. O percentual inicial era maior, mas pelo menos 700 produtos entraram em uma lista de itens isentos, diminuindo o impacto inicial da sobretaxa em alguns setores.
Mesmo assim, as dificuldades persistem devido à falta de reciprocidade entre os países. A legitimidade das tarifas foi questionada pelo governo brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC) nesta quarta.
Em meio a esse imbróglio, as micro e pequenas empresas nacionais devem ser as mais afetadas, e podem sofrer taxação de até 60% em diversos elos da cadeia, segundo o embaixador Laudemar Aguiar, secretário de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, Inovação e Cultura do Itamaraty, que palestrou para empresários na última terça-feira (5), durante encontro realizado pela SP Chamber of Commerce, braço de comércio exterior da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Segundo Aguiar, o Brasil sempre esteve aberto ao diálogo desde abril, quando Donald Trump anunciou a primeira leva do tarifaço - ou 'sancionaço', conforme nomeou no caso do Brasil, mas houve falta de disposição. "A medida inclui aspectos de política doméstica brasileira alheios à justificativa norte-americana para a imposição de tarifa, e negociações como essa precisam ocorrer sem amarras políticas", afirmou.
Ele também reforçou a posição do governo Lula de que "a soberania nacional é inegociável" e citou o plano de contingência ou compensação para as empresas ou setores que forem afetados, que foi encaminhado ao Planalto nesta quarta-feira pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad. O foco principal do plano, segundo Haddad, são as MPEs, que devem ter acesso a crédito subsidiado e renúncia fiscal temporária, entre outras medidas.
O apoio aos pequenos exportadores é uma reivindicação antiga de entidades setoriais e empresariais, como a própria SP Chamber, da ACSP, e o CECIEx (Conselho Brasileiro das Empresas Comerciais Importadoras e Exportadoras). “As pequenas empresas têm menor capacidade de diversificar rapidamente e de procurar outros mercados. Até grandes companhias já começam a sofrer os impactos, pois suas cadeias produtivas dependem de fornecedores menores, como, por exemplo, a do vestuário”, explicou o embaixador.
Aguiar também sinalizou que há no horizonte econômico a possibilidade de o mercado brasileiro ser inundado por produtos de outros países que, segundo o embaixador, talvez não concorram de forma tão legalizada com produtos fabricados no Brasil - o que pode diminuir ainda mais a competitividade do país no comércio exterior, que há pelo menos 50 anos representa apenas 1,5% da corrente de comércio global, segundo a OMC.
Essa é outra preocupação que está sendo vista pelo governo, lembrou, que é, de certa forma, limitar a possibilidade de ampliação de exportações de manufaturados de outros países para o Brasil para evitar concorrência desleal. "Mas nem o setor produtivo, o público e muito menos as pequenas empresas ficarão ao léu."
Comex vulnerável
Presente ao encontro da SP Chamber, o embaixador Rubens Barbosa, que já atuou na Embaixada do Brasil em Washington em duas ocasiões (nas gestões Clinton-Bush e Bush-Obama), apresentou uma avaliação crítica à atuação do governo brasileiro. Para ele, a carta de 9 de julho enviada pelos Estados Unidos foi um documento genérico, sem relação direta com questões políticas internas brasileiras — como o julgamento no STF —, ao contrário do que o governo interpretou.
Barbosa vê o aumento tarifário como uma decisão política norte-americana, mas motivada por fatores internos aos Estados Unidos, e apontou falhas na diplomacia brasileira: “Por oito meses, pessoas ligadas ao governo anterior ficaram por lá falando o que queriam sobre o Brasil e não houve resposta oficial do governo atual.”
O embaixador criticou a falta de canal direto com a Casa Branca: “Só agora, semanas atrás, houve uma reunião de meia hora do chanceler Mauro Vieira com um assessor americano, sem sequer ser noticiada pela imprensa oficial.” Ele defende que o Brasil envie autoridades de alto escalão para negociar diretamente e ampliar a pressão junto à US Chamber of Commerce, que já se manifestou contra os 40% de tarifa adicionais aos 10% anunciados meses antes.
Aguiar e Barbosa concordaram que é preciso convergência, focar apenas nas negociações comerciais e agir com celeridade para proteger o setor produtivo, citando novamente as pequenas e médias empresas e seus impactos. Barbosa também lembrou que novas listas de produtos ainda podem ser tarifadas e que o Brasil precisa ter uma estratégia comercial clara, inclusive revendo sua inserção na América Latina e África, hoje fragilizada.
Também reforçou a "necessidade crítica" de estabelecer um canal de comunicação com Washington, assim como de os empresários pressionarem o governo para que a negociação prossiga, evitando uma possível paralisia política que prejudicaria o setor produtivo. "O Brasil precisa defender seu próprio interesse, que neste momento é a negociação comercial, e não se submeter a pressões externas. Sem isso, o país pode perder ainda mais competitividade internacional."
IMAGEM: José Cruz/Agência Brasil

